No Dia Nacional da Cachaça, conheça a história da família Cercal, de Joinville

Foto: Maykon Lammerhirt / A Notícia

Herança é mantida há nove gerações na família, que se dedica a manter vivo todo o processo de forma artesanal, do plantio da cana-de-açúcar até à garrafa

Sentar para conversar com o joinvilense Flávio Lúcio de Oliveira Cercal, 67 anos, não é tarefa fácil. Corre dali, corre de lá, é preciso fôlego para acompanhá-lo, tamanha sua atenção com cada passo da produção de cachaça colonial – herança familiar, garante ele, de nove gerações. O motivo da visita: celebrar o Dia Nacional da Cachaça, lembrado nesta quarta-feira, 13 de setembro, contando uma história que começou há 231 anos nas terras da região.

No Norte catarinense, a tradição dos Cercal vem desde o ano de 1786, quando antepassados da família vieram de Portugal e se estabeleceram na localidade de Laranjeiras (região do Cubatão), então São Francisco do Sul e em vastas áreas de Joinville antes pertencentes ao município vizinho. Parte da família permaneceu no país europeu e muitos vieram a Santa Catarina, onde iniciaram o cultivo de farinha de mandioca e fabricação de açúcar mascavo e aguardente. A produção local era escoada pelo Porto de São Francisco do Sul e vendida em armazéns e engenhos da região.

Entre os que vieram, estava o português Januário de Oliveira Cercal, bisavô do pai de Flávio e um dos primeiros produtores de cachaça colonial de Joinville. Passados dois séculos, em parte das terras onde tudo começou, a produção da família ainda é mantida, da cachaça ao melado de cana. Ensinamento que passou de pai para filho, na última vez, de Manoel de Oliveira Cercal, o Neco do Alambique, para Flávio e os netos, Wilson e Paulo César – responsáveis pela continuidade do negócio.

– Desde os sete ou oito anos de idade, sempre trabalhei com o meu pai. Já estou com 67 anos e continuo no sítio, trabalhando com o melado, a cana-de-açúcar e a cachaça. Meu pai viveu até os 95 anos e trabalhou até quanto pôde, com 80. Temos clientes aqui que são da época dele, clientes há 40 anos, e temos essa felicidade de manter a tradição, eu, meus filhos e meus netos. Eles querem seguir com a produção – conta ele.

Métodos são os mesmos há décadas

Em um paiol construído há mais de 70 anos, as marcas do passado ainda perduram e mantêm vivas as memórias da família em um terreno de cerca de 400 mil metros quadrados, na rua Dorothóvio do Nascimento na zona Norte. Desde a plantação, a moenda da cana-de-açúcar até os métodos de feitio da bebida continuam os mesmos.

 JOINVILLE, SC, BRASIL (11-09-2017) - Flavio Lucio de Oliveira Cercal produtor de cachaça e derivados da cana de açucar em Joinville. (Foto: Maykon Lammerhirt, A Notícia)

Transporte da cana ainda é feita com auxílio de carroça de madeira puxada por um cavaloFoto: Maykon Lammerhirt / A Notícia
O cultivo é feito no próprio terreno, em uma área de cerca de 150 mil metros quadrados e sem o uso de inseticidas. Ali são cortadas cerca de 40 mil varas de cana-de-açúcar por ano, vendidas para garapeiras e comerciantes de caldo de cana, também utilizadas na produção do melado e de cinco tipos de cachaça.

O transporte do produto, do canavial até a casa do seu Neco, onde a bebida é feita e engarrafada, ainda ocorre com auxílio de carroça de madeira puxada por um cavalo. Método do qual seu Flávio não abre mão. A moenda, mais sofisticada que as prensas de madeira utilizadas pelos primeiros patriarcas, também é secular.

– Quando nossa família começou, por aqui era tudo feito com moenda, cilindros ou prensas de madeira. Tempos depois, trouxeram uma máquina da Inglaterra, que está na família há mais de 180 anos e ainda é utilizada. Ela dá pressão, o bagaço é bem triturado e todo o suco da cana é retirado – diz.

Produção familiar e orgânica

Apesar de secular, os Cercal não pretendem vender a aguardente em grande escala. A aposta é manter uma produção familiar e orgânica, que chega ao máximo de mil garrafas por mês. Segundo Flávio, esse é o diferencial para  garantir clientes fiéis e a renda da família.

 JOINVILLE, SC, BRASIL (11-09-2017) - Flavio Lucio de Oliveira Cercal produtor de cachaça e derivados da cana de açucar em Joinville. (Foto: Maykon Lammerhirt, A Notícia)

Máquina trazida da Inglaterra, há 180 anos, até hoje é utilizada para triturar a cana-de-açúcarFoto: Maykon Lammerhirt / A Notícia

– A nossa satisfação é vir um freguês comprar e me dizer ‘poxa, Flávio, a tua cachaça nunca me fez mal’. Quando sai da moenda, o caldo passa por uma fermentação natural e tem cachaça, a tradicional, que é destilada até duas vezes. Não tem nada de química, como as industrializadas, e seguimos a mesma fermentação há pelo menos dez anos – destaca.

Esse também é o tempo em que algumas das qualidades de cachaça estão armazenadas nos 48 barris de carvalho da propriedade. São aproximadamente 16 mil litros da bebida em processo de envelhecimento nos tonéis, alguns com plantas medicinais, que dão sabor diferenciado ao produto.

O Dia da Cachaça

Celebrado em 13 de setembro, o Dia Nacional da Cachaça foi instituído pelo Projeto de Lei 5428/09 e tem razões históricas que remetem ao Brasil colônia. Nesta data, em 1661, uma revolta de produtores iniciada um ano antes contra a colônia portuguesa promoveu a legalização da cachaça no País.

A comercialização da bebida era proibida e clandestina desde1630, depois de uma ordem do rei de Portugal. A medida foi tomada devido ao crescimento do mercado da cachaça frente à bagaceira, bebida portuguesa feita com bagaço de uva. A revolta foi deflagrada depois que o rei endureceu a fiscalização contra o produto, em 1659.

Mais de 350 anos depois, o produto passa por expansão no mercado internacional. Em 2016, segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), as exportações da cachaça brasileira cresceram 4,62% em valor e 7,87% em volume, somando US$ 13,93 milhões e 8,3 milhões de litros.

Estima-se que os produtores brasileiros fabriquem anualmente 800 milhões de litros da bebida e tenham capacidade de produzir até 1,2 bilhão de litros anuais.

Fonte: A Notícia

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